Dr.ª Elizângela Sayuri Tateishi
Em disputas envolvendo a cobrança de taxas condominiais, um ponto de discussão recorrente é a tentativa de cobrança retroativa dessas despesas após um longo período de inércia por parte do condomínio. No Brasil, a jurisprudência tem consolidado o entendimento de que, em determinados casos, a cobrança retroativa de taxas condominiais, especialmente após um longo intervalo, como sete anos, pode ser impedida com base no **princípio da boa-fé objetiva** e na aplicação da **supressio**, uma das manifestações desse princípio.
Neste artigo, analisaremos como o princípio da boa-fé objetiva e a teoria da supressio podem impedir a cobrança retroativa de taxas condominiais após um longo período de inatividade do condomínio, preservando o equilíbrio contratual e a segurança jurídica dos condôminos.
A boa-fé objetiva: uma visão geral
O **princípio da boa-fé objetiva** é um dos pilares do direito civil brasileiro, previsto no **artigo 422 do Código Civil**. Ele estabelece que as partes envolvidas em uma relação jurídica devem agir com lealdade, confiança mútua e respeito, tanto na fase de formação quanto na execução e na conclusão dos contratos. Esse princípio não se limita apenas à intenção das partes, mas também impõe deveres de conduta, como o dever de não surpreender ou causar danos injustificados ao outro.
No contexto das relações condominiais, a boa-fé objetiva exige que o condomínio e os condôminos ajam de forma transparente, respeitando as expectativas legítimas de ambas as partes. Isso significa que o condomínio, como entidade gestora, deve ser claro e imediato na cobrança das taxas e demais contribuições devidas pelos condôminos. A postergação excessiva dessa cobrança pode violar o princípio da boa-fé, causando um desequilíbrio na relação e prejudicando a segurança financeira do condômino.
A teoria da supressio
A **supressio** é um instituto que deriva diretamente da boa-fé objetiva. Trata-se da perda de um direito pela sua não utilização durante um longo período de tempo, gerando a expectativa de que esse direito não seria mais exercido. Em outras palavras, a supressio ocorre quando uma parte deixa de exercer um direito contratual por um prazo significativo, criando para a outra parte a confiança de que esse direito não será mais reivindicado.
A aplicação da supressio está prevista no **artigo 187 do Código Civil**, que considera abusivo o exercício de um direito que excede os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pela função social do contrato. Assim, quando o condomínio deixa de cobrar taxas condominiais por muitos anos, sem qualquer justificativa plausível, e de repente resolve exigir o pagamento retroativo, esse comportamento pode ser considerado uma violação do princípio da boa-fé e uma forma de abuso de direito.
A cobrança retroativa de taxas condominiais após 7 anos
A cobrança de taxas condominiais atrasadas é um direito do condomínio, que tem a obrigação de manter a sustentabilidade financeira do edifício ou conjunto habitacional. No entanto, esse direito não é absoluto e deve ser exercido com respeito aos princípios que regem o ordenamento jurídico, em especial o da boa-fé objetiva e a função social do contrato.
Quando o condomínio fica inerte por um período prolongado — como sete anos — sem cobrar as taxas devidas, e posteriormente tenta realizar uma cobrança retroativa, o condômino afetado pode alegar que essa inércia prolongada gerou uma expectativa legítima de que a cobrança não seria mais feita. Esse comportamento passivo do condomínio pode ser interpretado como uma renúncia tácita ao direito de cobrar as referidas contribuições.
Além disso, o **prazo prescricional** para a cobrança de dívidas condominiais é de cinco anos, conforme o **artigo 206, § 5º, inciso I, do Código Civil**. Portanto, o condomínio só pode cobrar as taxas condominiais referentes aos últimos cinco anos. No entanto, mesmo dentro desse prazo, o princípio da boa-fé e a supressio podem ser invocados para impedir a cobrança, se for demonstrado que o condomínio agiu de forma a gerar no condômino a expectativa de que o débito não seria mais exigido.
Jurisprudência sobre o tema
Os tribunais brasileiros têm acolhido a aplicação do princípio da boa-fé objetiva e da supressio em casos de cobrança retroativa de taxas condominiais. O **Superior Tribunal de Justiça (STJ)** já reconheceu que a inércia prolongada na cobrança de valores pode ser interpretada como renúncia tácita ao direito de cobrar, especialmente se essa inatividade gerar confiança no condômino de que não será mais necessário pagar os valores.
Em decisões recentes, os tribunais têm enfatizado que a boa-fé objetiva impõe ao condomínio a obrigação de exercer seus direitos de forma diligente e tempestiva. Caso contrário, o condomínio pode ser impedido de cobrar retroativamente as taxas em atraso, por violar a confiança legítima do condômino e o equilíbrio contratual.
Conclusão
A cobrança retroativa de taxas condominiais após um longo período, como sete anos, pode ser impedida com base no princípio da boa-fé objetiva e na teoria da supressio. A inércia do condomínio em exercer seu direito de cobrar as contribuições em tempo hábil pode gerar no condômino a expectativa legítima de que esse débito não seria mais exigido. Essa expectativa, por sua vez, impede que o condomínio exija o pagamento retroativo de uma dívida que, além de prescrita, viola o equilíbrio da relação jurídica.
Os condôminos têm o direito de questionar cobranças retroativas feitas de forma abusiva, e os tribunais, em consonância com os princípios da boa-fé objetiva e da supressio, podem impedir o exercício desse direito tardio, protegendo o consumidor de práticas que gerem desequilíbrio financeiro e insegurança jurídica.
Fonte: TJSP – Apelação Cível nº 1100650-63.2022.8.26.0100 – TJSP