Dr.ª Natália Ladwig Padilha.
O Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região (Goiás) recentemente anulou o pedido de demissão de um trabalhador venezuelano com deficiência auditiva, convertendo-o em dispensa sem justa causa. A 2ª Turma do TRT-GO entendeu que o trabalhador, devido à sua limitação auditiva e à dificuldade de compreensão da língua portuguesa, foi induzido ao erro ao assinar um documento que acreditava ser referente a uma promoção, mas que, na realidade, era uma carta de demissão.
Detalhes do Caso
O trabalhador atuava como repositor em um supermercado de Goiânia e relatou que, ao assinar a carta de demissão, acreditava estar formalizando uma promoção salarial. Devido à deficiência auditiva e às limitações com o idioma, ele não recebeu explicações adequadas sobre o conteúdo do documento e não teve acesso a um tradutor de Libras, apesar de ter solicitado esse auxílio. A comunicação com seus superiores era feita principalmente por um aplicativo de mensagens, levando-o a confiar nas orientações do supervisor e a assinar documentos sem plena compreensão do conteúdo.
A decisão original, proferida pela 1ª Vara do Trabalho de Goiânia, determinou que o pedido de demissão fosse tratado como dispensa sem justa causa, fixando a data da publicação da sentença como o marco inicial da rescisão e condenando a empresa a uma indenização por danos morais de R$ 20.000,00, em razão da violação da dignidade do trabalhador. A rede de supermercados recorreu, argumentando que o trabalhador havia expressado desejo de retornar à Venezuela e que tinha plena compreensão do documento assinado, além de requerer a redução ou exclusão da indenização por danos morais.
Decisão do Tribunal
Ao analisar o recurso, o desembargador relator Daniel Viana Júnior concluiu que o pedido de demissão não foi voluntário e que a empresa falhou em garantir que o trabalhador compreendesse os efeitos do documento. Em razão da deficiência auditiva e das limitações de compreensão da língua portuguesa, o trabalhador estava em uma situação de vulnerabilidade, o que caracterizou vício de consentimento. O desembargador também ressaltou que, por ser analfabeto, o trabalhador deveria ter seus atos confirmados por testemunhas, conforme o artigo 595 do Código Civil, o que não ocorreu.
A 2ª Turma manteve a decisão de primeira instância quanto à dispensa sem justa causa, mas ajustou a data da rescisão para a assinatura do Termo de Rescisão do Contrato de Trabalho (TRTC). Assim, a empresa foi condenada a pagar todas as verbas rescisórias devidas, incluindo aviso prévio indenizado, férias proporcionais, 13º salário e o recolhimento do FGTS com multa de 40%.
Danos Morais
Em relação aos danos morais, o TRT-GO manteve a condenação, porém reduziu o valor de R$ 20.000,00 para R$ 5.000,00, considerando a ofensa como de natureza média, conforme o artigo 223-G da CLT. O relator destacou que o abuso da situação de vulnerabilidade do trabalhador e a simulação do pedido de demissão violaram sua dignidade, configurando o dano moral.
“Os fatos narrados indicam claramente um dano à personalidade do autor, que deve ser reparado pela indenização pertinente. A reclamada, ao ultrapassar seus poderes e explorar as limitações do reclamante, simulou um pedido de demissão, ferindo sua dignidade”, concluiu o desembargador. A decisão foi unânime.
Conclusão
A decisão do TRT-GO reafirma a importância de garantir que trabalhadores em situações de vulnerabilidade compreendam plenamente os documentos que assinam, especialmente quando esses documentos impactam diretamente o vínculo empregatício. Esse entendimento ressalta o compromisso da Justiça do Trabalho com o devido processo e com a dignidade do trabalhador, assegurando que desligamentos sejam conduzidos de forma voluntária e consciente, com respeito aos direitos daqueles que enfrentam barreiras de acessibilidade e inclusão.