Dr.ª Elizângela Sayuri Tateishi
A saúde é um direito fundamental assegurado pela Constituição Federal e regulamentado por normas específicas no Brasil. Os planos de saúde, como prestadores de serviços essenciais, devem obedecer a essas normas e garantir a cobertura de tratamentos indispensáveis à preservação da vida e à melhoria da qualidade de vida dos beneficiários. Um dos tratamentos que suscita muitas dúvidas e, às vezes, negativas de cobertura por parte das operadoras é a cirurgia bariátrica, especialmente para pacientes que possuem condições preexistentes, como obesidade mórbida.
Neste artigo, vamos esclarecer por que os planos de saúde têm a obrigação de cobrir a cirurgia bariátrica nesses casos e por quê a saúde não pode ser negada com base em condições anteriores à contratação do plano.
Condições preexistentes e os direitos do paciente
Condição preexistente é qualquer doença ou condição de saúde que o beneficiário já possuía antes de contratar o plano de saúde. Muitas operadoras de planos utilizam essa condição para negar ou restringir o acesso a tratamentos necessários, sob o argumento de que a doença já estava presente no momento da adesão ao plano.
No entanto, essa prática é limitada pela legislação. A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), por meio da Resolução Normativa nº 465 de 2021, estabelece que os planos de saúde são obrigados a cobrir uma série de procedimentos, incluindo a cirurgia bariátrica, desde que cumpridos os requisitos médicos. Isso significa que, mesmo que a obesidade seja considerada uma condição preexistente, o plano de saúde não pode recusar a cobertura do procedimento de forma definitiva.
A cirurgia bariátrica e sua relevância para a saúde
A cirurgia bariátrica é um tratamento recomendado para pacientes com obesidade mórbida ou para aqueles que sofrem de comorbidades graves associadas à obesidade, como diabetes tipo 2, hipertensão, apneia do sono, entre outras. Esses problemas, quando não tratados adequadamente, podem colocar em risco a vida do paciente e comprometer sua qualidade de vida. Portanto, a cirurgia não é apenas estética, mas sim um procedimento vital para muitas pessoas.
A ANS define critérios claros para a cobertura da cirurgia bariátrica, como um Índice de Massa Corporal (IMC) superior a 40 kg/m² ou IMC entre 35 e 40 kg/m², associado a doenças graves. Esses parâmetros devem ser respeitados pelos planos de saúde, independentemente da obesidade ser uma condição pré-existente ou não.
A saúde como direito fundamental
A saúde é um direito social garantido pela Constituição Federal no artigo 196, que afirma: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. Ao firmar contrato com um plano de saúde, o beneficiário não está abrindo mão desse direito, muito pelo contrário, está reforçando seu acesso ao atendimento médico e a tratamentos adequados.
Quando um plano de saúde nega a cobertura de um procedimento vital, como a cirurgia bariátrica, com base em uma condição preexistente, essa atitude pode ser interpretada como uma violação aos direitos do consumidor, protegidos pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC). O artigo 51 do CDC considera nulas as cláusulas contratuais que estabeleçam obrigações abusivas ou coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, o que pode se aplicar à negativa de cobertura em casos de cirurgias essenciais.
Jurisprudência favorável ao consumidor
Diversas decisões judiciais já reconhecem que a recusa de cobertura de cirurgias, como a bariátrica, com base em condições preexistentes, pode ser considerada prática abusiva. A jurisprudência aponta para a proteção do paciente, afirmando que a obesidade mórbida é uma doença crônica e progressiva, que requer tratamento adequado e urgente, independentemente do momento em que foi diagnosticada.
Os tribunais têm reiterado que a saúde e a vida do paciente devem prevalecer sobre eventuais cláusulas restritivas de contratos de planos de saúde. Em muitos casos, as negativas de cobertura foram revertidas judicialmente, obrigando as operadoras a arcar com os custos do tratamento.
Conclusão
A cirurgia bariátrica é um procedimento essencial para a saúde de muitos pacientes com obesidade mórbida ou comorbidades graves. Mesmo que a obesidade seja uma condição preexistente, os planos de saúde não podem negar a cobertura de forma definitiva, sob pena de violar o direito à saúde garantido pela Constituição e as normas de proteção ao consumidor.
Se o plano de saúde se recusar a cobrir o procedimento com base em uma condição preexistente, o paciente tem o direito de buscar seus direitos judicialmente, pois a jurisprudência é favorável à garantia de cobertura em casos onde a saúde e a vida estão em risco.
Fonte: TJMG, Processo nº 5009147-24.2024.8.13.0183