Dr.ª Elizângela Sayuri Tateishi
O tratamento do câncer envolve procedimentos complexos e, muitas vezes, medicamentos de alto custo, que são essenciais para a sobrevida e qualidade de vida do paciente. Uma questão recorrente no Brasil é se os planos de saúde têm a obrigação de custear esses tratamentos e, em caso de negativa, se há direito à indenização. A jurisprudência e a legislação brasileiras, ao longo dos anos, têm firmado o entendimento de que os **planos de saúde** devem sim custear os medicamentos necessários ao tratamento de pacientes oncológicos, tanto aqueles administrados em ambiente hospitalar quanto os de uso domiciliar, sob certas condições.
Direitos do Paciente e Cobertura de Medicamentos
A Lei n. 9.656/1998, que regulamenta os planos e seguros privados de assistência à saúde, estabelece que as operadoras de planos de saúde têm a obrigação de oferecer **cobertura completa ao tratamento de doenças listadas pela Classificação Internacional de Doenças (CID)**, o que inclui, sem dúvida, o câncer. Essa lei é complementada pela **Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS)**, que define um rol de procedimentos e medicamentos de cobertura obrigatória pelos planos de saúde.
Todavia, a cobertura de medicamentos nem sempre é direta, o que tem gerado uma série de disputas judiciais. Especialmente no que diz respeito aos medicamentos de uso domiciliar, muitos planos de saúde se negam a fornecer remédios, alegando que sua obrigação se restringe ao ambiente hospitalar. Contudo, esse entendimento tem sido amplamente rejeitado pelos tribunais, que reconhecem que a **negação de tratamento adequado, inclusive com medicamentos, configura descumprimento contratual e pode gerar direito à indenização**.
Medicamentos Oncológicos e Negativa de Cobertura
Para pacientes com câncer, a recusa na cobertura de medicamentos pode ter consequências gravíssimas, uma vez que muitos desses tratamentos são urgentes e vitais. A negativa de fornecimento de medicamentos pode ocorrer, por exemplo, em razão de o remédio não constar no rol da ANS ou por ser considerado “importado” ou “experimental”. No entanto, essa justificativa tem sido vista como **abusiva**, pois viola o **Código de Defesa do Consumidor (CDC)** e a própria função dos planos de saúde, que é garantir o tratamento adequado.
O **Código de Defesa do Consumidor (CDC)** assegura ao paciente-consumidor o direito de receber o serviço para o qual contratou o plano de saúde, sem restrições arbitrárias. O fornecimento de medicamentos, mesmo que não estejam expressamente previstos no rol da ANS, pode ser exigido judicialmente, desde que seja prescrito por um médico como necessário ao tratamento. O entendimento predominante no **Superior Tribunal de Justiça (STJ)** é o de que o rol da ANS serve como uma referência mínima e que a negativa de cobertura pode ser considerada **abusiva** quando impede o tratamento adequado.
Jurisprudência e Dever de Indenização
Os tribunais brasileiros têm consolidado o entendimento de que, em casos de negativa indevida de cobertura, o plano de saúde pode ser condenado a **custear o medicamento** e, além disso, a **indenizar o paciente por danos morais**. O fundamento para essa indenização está no sofrimento adicional causado pela negativa, que acarreta mais angústia e preocupação em um momento já delicado, como o tratamento de uma doença grave.
Em decisões recentes, o STJ reafirmou que a negativa de cobertura de medicamentos, principalmente aqueles essenciais ao tratamento de câncer, configura ato **ilícito e abusivo**, ensejando não só o custeio imediato do tratamento, como também o pagamento de **indenização por danos morais**. Isso porque a demora ou a recusa no fornecimento do medicamento pode comprometer o sucesso do tratamento e causar um agravamento no estado de saúde do paciente.
Medicamentos Domiciliares e Fora do Rol da ANS
Um ponto especialmente relevante na jurisprudência diz respeito aos medicamentos **de uso domiciliar** e aqueles **fora do rol da ANS**. O argumento utilizado por muitas operadoras de planos de saúde para negar esses medicamentos é que eles não estariam incluídos nas coberturas obrigatórias estabelecidas pela ANS. No entanto, os tribunais têm repetidamente afirmado que essa limitação não pode prejudicar o paciente quando há prescrição médica para o uso do remédio.
Em várias decisões, o STJ tem ressaltado que, se o medicamento é necessário para o tratamento de câncer e foi prescrito por um médico habilitado, a operadora deve arcar com o custo, independentemente de ele ser de uso domiciliar ou não estar listado pela ANS. Essa posição judicial reforça o **princípio da dignidade da pessoa humana** e a função social do contrato de plano de saúde.
Danos Morais e o Impacto da Negativa de Cobertura
O dano moral em casos de negativa de tratamento não é apenas presumido, mas é frequentemente reconhecido pelos tribunais devido ao impacto psicológico e físico causado pela frustração do paciente. Ao deixar de fornecer o tratamento adequado, a operadora do plano de saúde pode agravar o estado de saúde do paciente, o que justifica a indenização.
O entendimento jurisprudencial é claro: a negativa de fornecimento de medicamento essencial para o tratamento do câncer **fere os direitos básicos do consumidor**, comprometendo a integridade física e mental do paciente, o que justifica a condenação por danos morais. O valor dessa indenização varia conforme o caso, mas tem como objetivo compensar o sofrimento e a angústia causados pela recusa indevida.
Conclusão
O direito à saúde é garantido pela **Constituição Federal**, e os planos de saúde, ao se negarem a custear medicamentos prescritos para o tratamento de câncer, violam esse direito fundamental. A jurisprudência brasileira tem consolidado o entendimento de que os planos de saúde devem arcar com todos os custos do tratamento, inclusive medicamentos de uso domiciliar ou fora do rol da ANS, desde que haja prescrição médica.
Em caso de negativa de cobertura, o paciente tem o direito de buscar a Justiça para garantir o fornecimento do medicamento e, se for o caso, obter uma indenização por danos morais. A decisão de negar o custeio de um tratamento essencial pode não apenas comprometer a recuperação do paciente, mas também acarretar prejuízos emocionais e psicológicos graves, justificando a responsabilização do plano de saúde.
Os pacientes que enfrentam a luta contra o câncer não devem ser submetidos à angústia adicional da recusa de tratamento por parte dos planos de saúde, e a Justiça tem reconhecido seu direito de acesso pleno ao tratamento necessário.
Fonte: Autos nº 0084675-87.2022.8.17.2001