Dr. Martin Saavedra Bussyguin
Nos últimos anos, a discussão em torno das responsabilidades e das expectativas quanto aos serviços prestados pelos profissionais da saúde no Brasil ganhou destaque. Um aspecto notável dessa discussão foi a crítica à nomenclatura utilizada para categorizar as ações judiciais indenizatórias movidas contra médicos.
Esses processos eram classificados como “erro médico”. Essa terminologia, além de imprecisa, muitas vezes gerava uma percepção negativa e generalizada da prática médica, levando a um tratamento judicial que não refletia a complexidade das situações envolvidas.
Atendendo a uma solicitação da classe médica, destacadamente do Colégio Brasileiro de Cirurgiões, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em janeiro do presente ano implementou uma importante mudança, substituindo o termo “erro médico” por “danos materiais ou morais decorrentes da prestação de serviços de saúde” nas tabelas processuais unificadas.
A classificação de ações judiciais como “erro médico” gerava uma análise simplista e muitas vezes injusta do trabalho dos profissionais da saúde. Essa nomenclatura remete à noção de falha ou imprudência, resultando em uma narrativa que frequentemente posicionava o médico em um lugar de culpa, independentemente das circunstâncias complexas que pudessem levar a resultados indesejados. Além disso, a utilização desse termo pode induzir tanto a opinião pública quanto o sistema judicial a uma compreensão errônea sobre a natureza da prática médica, que é frequentemente permeada por riscos inerentes e por desafios imprevisíveis.
Os profissionais da saúde, especialmente os cirurgiões, frequentemente enfrentam altos níveis de risco em suas atividades diárias e a responsabilidade por possíveis complicações devem ser interpretadas com a devida cautela e consideração pelas nuances da medicina.
A mudança proposta pelo CNJ, substituindo a nomenclatura “erro médico” pela expressão “danos materiais ou morais decorrentes da prestação de serviços de saúde”, tem como objetivo não apenas atualizar a terminologia, mas também promover uma análise mais justa e fundamentada das situações que envolvem processos na área da saúde. Essa mudança é histórica e representa um reconhecimento da complexidade do setor, onde os resultados das intervenções médicas nem sempre podem ser controlados, mas devem ser avaliados com base em padrões éticos e profissionais adequados.
A revisão da nomenclatura tem diversas implicações positivas. Primeiramente, ao eliminar a conotação negativa associada ao termo “erro médico”, os novos termos propõem um contexto em que se reconhece que os danos podem ocorrer mesmo com a observância de todas as normas e práticas adequadas. Dessa forma, os profissionais da saúde podem ser mais bem reconhecidos pelo seu trabalho e pela sua dedicação, sem a pressuposição de falha ou imprudência em cada ocorrência adversa.
Em segundo lugar, a nova classificação favorece uma análise mais objetiva dos casos, permitindo que os juízes e os advogados considerem as circunstâncias específicas de cada situação sem a influência de um rótulo que poderia distorcer a verdade. Os processos podem se concentrar em aspectos como a qualidade e a adequação da prestação de serviços, a comunicação com os pacientes, e os limites e riscos da medicina, em vez de se basear em uma terminologia que poderia criar preconceitos.
A revisão da nomenclatura nos processos judiciais indenizatórios movidos contra profissionais médicos é uma mudança significativa que busca promover uma abordagem mais sensível e equitativa à responsabilidade civil na saúde. Ao substituir o termo “erro médico” por “danos materiais ou morais decorrentes da prestação de serviços de saúde”, o CNJ demonstra um compromisso com a legalidade, a ética e o respeito à dignidade dos profissionais da saúde.
Esse avanço é crucial para equilibrar a relação entre médicos e pacientes, estabelecer um ambiente de confiança e respeito e garantir que a medicina continue a se desenvolver como uma profissão que busca o bem-estar do paciente, respeitando as realidades e os desafios da prática médica. Somente assim, será possível construir uma justiça que não apenas protege os direitos dos pacientes, mas que também valoriza o trabalho dos profissionais da saúde.